segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Musicalização na educação Infantil

Musicalização na educação Infantil

Meu pintinho amarelinho.
Cabe aqui na minha mão (na minha mão).
Quando quer comer bichinhos
com seus pezinhos ele cisca o chão Ele bate as asas, ele faz piu-piu.
Mas tem muito medo é do gavião.

Profª  Ma.  Arilma Maria de Almeida Spindola
arilmaspindola@hotmail.com
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sexta-feira, 23 de julho de 2010

INFÂNCIA E CULTURAS INFANTIS:



SPINDOLA, Arilma Maria de Almeida[1]
ALMEIDA, Ordália Alves[2]


Resumo:

Este artigo apresenta os elementos para a conceitualização de culturas infantis, culturas das crianças, buscando compreender a dimensão do valor atribuído à infância desde a antiguidade e, ao mesmo tempo, evidencia que na atualidade a infância não pode prescindir de maior reconhecimento social. Fundamenta-se nos construtos teóricos da sociologia da infância, que reconhece a criança como ator social e sujeito histórico, portador e produtor de cultura. Destaca, ainda, que as crianças vivem processos culturais vinculados aos seus familiares, muitos dos quais, passados de geração para geração. A sociologia da infância tem sido um campo do conhecimento que tem nos permitido lançar olhares diferentes para as crianças, buscando compreender as diversas dimensões da infância sob seu próprio ponto de vista. O que implica afirmar que são necessárias mais pesquisas que dimensionem as relações construídas pelas crianças e seus pares num mundo organizado na perspectiva do adulto, e que nos permitam conhecer as formas como as crianças estão produzindo suas próprias culturas, superando limitações e quebrando as barreiras que os adultos lhes impõem.

Palavras-chave: Culturas infantis; Infância; Criança quilombola.


Abstract:
This article presents the elements for the conceptualization of children's cultures, cultures of children, seeking to understand the extent of the value of childhood from ancient and at the same time, shows that in actuality the child can not dispense with greater social recognition. Is based on theoretical constructs of the sociology of childhood, which recognizes the child as an actor social and historical subject, bearer and producer of culture. Stresses also that the children living cultural processes tied to their relatives, many of which, passed on from generation to generation. The sociology of childhood has been a field of knowledge that has allowed us launch looks different for children, seeking to understand the different dimensions of children under their own views. This means to say that more research is needed dimensions that the relationship built by the children and their peers in a world organized in view of the adult, and to enable us to understand the ways in which children are producing their own crops, overcoming limitations and breaking the barriers that are imposed by adults.

Key-words : Children cultures; Childhood; Quilombola Child.



E POR FALAR EM CULTURA DA INFÂNCIA

Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando eu era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem, eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto. Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores.
(BARROS, 2003)


A infância constitui-se de forma diferenciada em cada momento histórico e, dependendo do valor que lhe é atribuído, à crianças é dada a oportunidade de viver determinadas experiências. Através das histórias de vida que os adultos contam, não é possível entender a infância do ponto de vista da criança. As infâncias discutidas nos textos são inúmeras vezes diferentes das infâncias vividas, a diferença está entre o eu que narra e o eu que vivido na infância, em suas experiências. As lembranças da infância, podem omitir fatos e, neste caso, falaremos de uma infância que existe só na imaginação.
Assim como na imaginação do poeta Manoel de Barros (2003) que pensa a infância como um poema e nele coloca imagens inusitadas, relemos e construímos, com base em suas imagens, os elementos para a conceitualização de culturas infantis, culturas das crianças, a todo o momento, no espaço em que se encontram, no meio em que experimentam as mais variadas situações ou, a cada poema, uma nova cultura. Assim,
A infância é reinventada por cada sociedade: cada sociedade pode criar a sua própria imagem do que são as crianças. A imagem é uma convenção cultural, e existem muitas imagens possíveis. Algumas concentram no que as crianças são no que elas têm e no que elas podem fazer, enquanto que outras, infelizmente concentram-se no que as crianças não são, no que elas não têm e no que elas não podem fazer. Algumas imagens focalizam mais as necessidades do que as capacidades e potenciais, o que as criança não podem ser ou fazer, em vez do que elas podem ser ou fazer (GANDINI; EDWARDS, 2002, p. 76).

Kohan (2003, p. 28-29) ao abordar a concepção de infância resgata Platão e afirma que:
A visão platônica da infância se enquadra, então, em uma análise educativa com intencionalidades políticas. Platão não faz da infância um objeto de estudo em si mesmo relevante. De certo, a infância não é enquanto infância um problema filosófico para Platão. A infância é um problema filosoficamente relevante enquanto se tenha de educá-la de maneira específica para possibilitar que a polis atual se aproxime o mais possível da normatizada, dessa maneira, Platão inventa uma política (no sentido mais próximo de sua etimologia) da infância, situa a infância em uma problemática política e a inscreve no jogo político que dará lugar, em sua escrita a uma polis mais justa, mais bela, melhor.

Outra visão de infância encontrada, nos textos de Platão refere-se à fase da vida inferior à vida adulta masculina, tanto no aspecto físico como no espiritual. Houve um tempo, uma época em que a figura da infância era considerada uma vergonha, metáfora da inferioridade. Nos Diálogos de Platão, a infância ocupava um espaço semelhante à inferioridade. Na República (1993), as crianças com as quais Platão preocupou-se são nada menos que os futuros reis, conforme ele mesmo afirma, reis que filosofam e filósofos que governam de modo justo a polis. Preocupava-se, principalmente, com a etapa imediatamente posterior ao nascimento, a da sua criação, por ser a mais trabalhosa de todas as etapas. Kohan (2003, p. 33) destaca que a concepção platônica de infância trazia algumas marcas:

A primeira é a possibilidade quase total, e enquanto tal, ausência de uma marca específica; a infância pode ser quase tudo; esta é a marca do sem marca, a presença de uma ausência; a segunda marca é a inferioridade frente ao homem adulto, cidadão e sua conseqüente equiparação com outros grupos sociais, como as mulheres, os ébrios, os anciãos, os animais; esta é a marca do ser menos, do ser desvalorizado, hierarquicamente inferior; em uma terceira marca, ligada a anterior, a infância é a marca do não-importante, o acessório, o supérfluo e o que pode se prescindir, portanto, o que merece ser excluído da polis, o que não tem nela lugar, o outro depreciado; finalmente, a infância tem a marca instaurada pelo poder, ela é o material de sonhos políticos; sobre a infância recai um discurso normativo próprio de uma política que necessita da infância para afirmar a perspectiva de um futuro melhor.

A citação acima nos permite compreender a dimensão do valor atribuído à infância na antiguidade e, ao mesmo tempo, evidencia que na atualidade a infância não pode prescinde de maior reconhecimento social.
Na sociedade moderna, a obra de Ariès (1981) marca as diferenças entre os historiadores da psicologia social e os historiadores da infância. Segundo ele, nas sociedades européias, durante a época medieval, não havia um sentimento ou consciência de “infância”. Naquelas sociedades o que hoje chamamos de infância era limitado a um período relativamente curto, o mais frágil, em que não se podia satisfazer por si mesma suas necessidades básicas.
Segundo o autor, essa categoria social só foi entendida como tal a partir do século XVII com sentimentos de “paparicação e a moralização”. A paparicação foi, assim, relatada por ele: “um novo sentimento da infância havia surgido, e que a criança, por sua ingenuidade, gentileza e graça, se tornava uma fonte de distração e de relaxamento para o adulto” (ÁRIES, 1981, p. 158). Sobre o sentimento de moralização, afirmava ter sido criado pelos educadores e moralistas e que o principal objetivo era formar homens racionais e cristãos e, segundo ele: “tentava-se penetrar na mentalidade das crianças para melhor adaptar ao nível os métodos de educação” (ARIÈS, 1982, p.163).
Ainda sobre a situação das crianças, Delgado (2005) chama a atenção para o fato de que, como a organização das cidades e dos estados, na sociedade moderna, ter emergido a necessidade de organização das famílias nucleares[3] burguesas e atrelado a isso o confinamento das crianças. Nesse contexto, a educação das crianças passou a ser de responsabilidade das mães e mestres e, ao mesmo tempo, as crianças começaram a ocupar lugares distintos aos dos adultos.
A infância tem sido vista de forma diferenciada em cada época e local. Desde o século XVII vários discursos foram produzidos sobre a infância, sob vários enfoques e em diferentes áreas do conhecimento. Os estudos sobre infância avançam no começo do século XXI, ampliam-se estudos e conhecimentos, os estudos atuais sobre infância procuram entendê-la em toda a sua complexidade e seus modos de vida. Embora exista ainda estudiosos que vêem a criança de uma forma homogeneizada, desconsiderando as diferenças e a forma de vida de cada uma delas, em cada lugar do planeta, determinando condições iguais a cada criança. Alguns questionamentos sobre a concepção dos sujeitos infantis mostram a falta de valorização da criança. Benjamin (1993, p.57) afirma que “articular o passado historicamente não significa reconhecê-lo como verdadeiramente foi. Significa apoderarmo-nos de uma memória tal como ela relampeja num momento de perigo”. Portanto, o reconhecimento da infância enquanto categoria social ensejou a criação de um campo de estudo voltado ao conhecimento mais aprofundado de sua especificidade.
Podemos constatar entre os estudiosos que há formas diversas de ver a infância, cada um a vê conforme o espaço social em que se insere. Lajolo (1997) define assim

[...] Enquanto objeto de estudo, a infância é sempre um outro em relação àquele que nomeia e a estuda. As palavras infante, infância e demais cognatos, em sua origem latina e nas línguas daí derivadas, recobrem um campo semântico estreitamente ligado à idéia de ausência de fala. Esta noção de infância como qualidade ou Estado do infante, isto é, d’aqueles que não fala.

E ainda, segundo a autora,

[..] Assim por não falar, a infância não se fala e, não se falando, não ocupa a primeira pessoa nos discursos que dela ocupam. E, por não ocupar esta primeira pessoa, isto é, por não dizer eu, por jamais assumir o lugar de sujeito do discurso, e, conseqüentemente, por consistir sempre ele/ela nos discursos alheios, a infância é sempre definida de fora (LAJOLO, 1997, p. 225 - 226).

Sarmento (2005) destaca que a construção moderna da infância fez com que se efetivasse uma separação do mundo do adulto e, ao mesmo tempo, a institucionalização da criança. A criação de espaços educativos próprios para as crianças (creche e instituições públicas) levou, efetivamente, à separação dos adultos, desencadeando o processo de construção simbólica sobre a infância. Para o autor, a construção da infância na modernidade gerou, também, processos de disciplinarização para ela, inerentes à criação da ordem social dominante.
A contemporaneidade veio realçar a diferença da infância, como categoria geracional distinta, nos planos estrutural e simbólico (SARMENTO, 2004). Conforme o autor, é essa diferença que compete à sociologia da infância esclarecer, mas para isso é absolutamente indispensável considerar a diversidade das condições de existência das crianças e seus efeitos e conseqüências sociais.
A sociologia da infância tem sido um campo do conhecimento que tem nos permitido lançar olhares diferentes para as crianças, buscando compreender as diversas dimensões da infância e sob seus próprios pontos de vista. O que implica afirmar que são necessárias mais pesquisas que dimensionem as relações construídas pelas crianças e seus pares num mundo organizado na perspectiva do adulto, e que nos permitam conhecer as formas como as crianças estão produzindo suas próprias culturas, superando limitações e quebrando as barreiras que os adultos lhes impõem.
Muller e Delgado (2005) em seu texto “Sociologia da Infância: pesquisa com crianças” destacam a contribuição de Prout (2004, p.3-4), o autor sustenta a idéia de que o encontro entre a sociologia e a infância é marcado pela modernidade tardia e, assim, a sociologia da infância encontra-se perante uma dupla missão: criar espaço para a infância no discurso sociológico e confrontar a complexidade e ambigüidade da infância na qualidade de fenômeno contemporâneo e instável.
Esse autor destaca os dualismos da sociologia da infância. O primeiro denomina de estrutura e ação em que a fundamentação da sociologia da infância está baseada na idéia de que a infância é uma construção social o reducionismo biológico, substituindo-o pelo reducionismo sociológico, o que o autor compreende como problemático. E o segundo, ser e devir, em que aponta o caráter inacabado da vida dos adultos é tão evidente quanto o das crianças. Ainda, na perspectiva de Prout, as crianças e os adultos devem ser vistos como uma multiplicidade de seres em formação, em sua incompletude e dependentes, o que pressupõe a necessidade de se superar o mito da pessoa autônoma e independente, como se fosse possível não pertencermos a uma complexa teia de interdependência.
Esse campo de conhecimento tem tido como responsabilidade maior trazer elementos para que compreendamos o sentido das culturas infantis e de como as mesmas podem ser entendidas nos processos investigativos desenvolvidos pelos adultos. Esses processos devem essencialmente superar a visão limitante e limitadora das lentes interpretativas que sempre viram as crianças numa situação de transitoriedade e dependência, uma representação da infância sustentada pela incompletude, na incompetência e na imperfeição das formas de pensamento (SARMENTO, 2005).
Já podemos contar com alguns interlocutores brasileiros no campo da sociologia da infância, dentre eles, destacamos Kramer e Leite (1996); Quinteiro (2000, 2002); Faria; Demartini e Prado (2002); Borba (2005). Esses pesquisadores vêm produzindo estudos e pesquisas que nos permitem ter uma visão mais ampliada e localizada da infância brasileira, ao mesmo tempo em que fornecem subsídios para que novas pesquisas sejam desenvolvidas, respeitando as crianças como atores sociais, como sujeitos de direito, oportunizando-as a expressarem seus pensamentos de diversas maneiras, ou seja, o que compõe as suas próprias culturas, de forma individualizada ou em contextos mediados pelos adultos.
CULTURAS DA INFÂNCIA: EM BUSCA DA COMPREENSÃO DOS ESPAÇOS SOCIAIS DA CRIANÇA

Ao buscar um aprofundamento sobre o conceito culturas da infância, para nos respaldar nesse estudo, deparamos com a afirmação.

As culturas das crianças são ‘um conjunto estável de actividades ou rotinas, artefactos, valores e ideais que as crianças produzem e partilham em interacção com os seus pares’ (Corsaro e Eder, 1990). Estas actividades e formas culturais não nascem espontâneamente, elas constituem-se no mútuo reflexo das produções culturais dos adultos para as crianças e das produções culturais geradas pelas crianças nas suas interacções. Não são, portanto, redutíveis aos produtos da indústria para a infância e aos seus valores e processos, ou aos elementos integrantes das culturas escolares. São ações, significações e artefactos produzidos pelas crianças que estão profundamente enraizados na sociedade e nos modos de administração simbólica da infância (de que o mercado e a escola são integrantes centrais, a par das políticas públicas para a infância) (SARMENTO, 2005, p. 373).


Edificar tal citação de Sarmento faz sentido, uma vez que o objetivo é o de buscar um olhar sobre a infância enxergando-a de forma dialética, de modo que o dinamismo das condições humanas e da própria experiência faça com que vejamos as crianças como sujeitos históricos e contextualizados, compreendendo-as como criadoras de cultura, capazes de transformar o meio em que vivem e de transformarem-se.
Resgatar a cultura do passado e registrar as que fazem parte do presente, como os folguedo, as brincadeiras, os brinquedos, os jogos, as danças, as músicas, é importante para que as crianças não percam contato com a infância dos seus pais e avós e da sua própria infância, e para que não percam a referência sobre os seus modos de brincar, uma vez que são a referência da humanidade. Bem sabemos que em nossa sociedade só têm valor aqueles que têm poder e que esses determinam os artefatos lúdicos e didáticos aos quais as crianças podem ter acesso. Conforme Larrosa (2001, p. 284).

A criança não é nem antiga nem moderna, não está antes nem depois, mas agora, atual, presente. Seu tempo não é linear nem evolutivo, nem genético nem dialético, nem sequer narrativo. A criança é um presente inatual, intempestivo, uma figura do acontecimento.

E, ainda, de acordo com Díaz, (1998, p. 22). “As transformações pedagógicas não residem na transformação de formas ou conteúdos pedagógicos, mas sim na transformação da visibilidade ou invisibilidade do poder”. Pensamos as crianças conforme nosso ideal, isso acontece porque concebemo-as únicas e atemporais no universo, tratando-as da mesma maneira e não de forma diferenciada, como deve ser, oportunizando-as se manifestarem da forma mais original a inocência e a pureza de cada uma delas.
Na perspectiva de superação das limitações a determinados conteúdos pedagógicos, consideramos que as crianças têm o direito de ver resgatada sua cultura e, portanto, o direito de viver processos sociais e pedagógicos que as levem a conviver com processos lúdicos oriundos dos seus pais, tios e avós etc, além de levá-las ao encontro da sua própria e de outras culturas.
As Ciências Humanas e Sociais modernas estão investindo em estudos, reflexões e descobertas, objetivando entender as crianças e a infância. As teorizações advindas destes processos, constituíram-se em definições que nos dão um aporte para entendermos, se não na totalidade pelo menos em parte o que são sujeitos infantis. Em continuidade, a temática proposta, sugere um aprofundamento do conceito de culturas infantis.
Geralmente, com atitudes adultas, deixamos de perceber as necessidades das crianças, sobre as quais nos propomos falar, mas que antes de tudo precisam ser ouvidas. Elas são seres cheios de energia, dispostas a manifestá-las de todas as formas. Conhecê-las melhor requer muitos cuidados, tais como: prestar atenção em suas manifestações culturais, suas especificidades, seus conhecimentos, nos locais onde vivem e brincam.
As crianças, vivendo a especificidade infantil, aprendem a brincar, podem ensinar suas brincadeiras, relacionam-se com outras crianças e com os adultos, tomam conhecimento de suas tradições, criam e recriam cultura. Estas experiências configuram-se como espaço educativo das crianças e dos adultos; espaços estes de se viver a infância, de se produzir novos conhecimentos, sobre a cultura de seus antepassados.
Costumamos pensar a infância conforme nosso ideal. Construímos nossas formas de concebê-la numa perspectiva atual, mais moderna, sem levar em consideração a sua formação, vendo todas as crianças da mesma maneira, com os mesmos comportamentos, conduzindo-as por um caminho que tende a contemplar os interesses e as potencialidades do ser humano adulto.
Ainda sobre o conceito de culturas infantis, lembramo-nos das crianças, das suas diferenças, das brincadeiras, onde, com quem vivem e o que fazem. Comenta-se muito sobre educação infantil, e as pesquisas sugerem que nos atentemos para a necessidade voltarmos nossos olhares para as crianças, com o objetivo de conhecê-las mais e melhor.
Como afirma Chauí (1989), as crianças são produtoras de cultura a todo instante, mesmo quando estão brincando. É um desafio desvendá-las, pois nela está o modo de ser, de brincar, assim como muitas outras expressões da criança, pois

[...] dos instrumentos de trabalho, das formas de lazer, da música, da dança, dos sistemas de relações sociais, a cultura é ‘o campo no qual a sociedade inteira participa elaborando seus símbolos e seus signos, suas práticas e seus valores, definindo para si o possível e o impossível, a linha do tempo (passado, presente, futuro), as distinções do interior do espaço, os valores, como o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o justo e o injusto, a noção de lei, e, portanto, do permitido e do proibido, a relação com o visível e o invisível, com o sagrado e com o profano, tudo isso passa a constituir a cultura no seu todo’ (CHAUÍ, 1989, p.51).

Fazer com que as crianças vivam a especificidade infantil, aprendendo a brincar, ensinando suas brincadeiras, relacionando-se com outras crianças e com os adultos conhecendo suas tradições, criando e recriando cultura, passa pelo reconhecimento da diversidade sócio-cultural constitutiva que se configura num espaço de educação de crianças e, também, de adultos, espaços de se viver a infância, de se produzir novos conhecimentos por ela mesma sobre a cultura de seus antepassados.
Todas essas possibilidades de vida permitem às crianças estabelecerem princípios geradores de processos culturais que podem, segundo Sarmento (2004, p.23-25), ser estabelecidos com base em eixos estruturados das culturas da infância, quais sejam: “a interatividade, a ludicidade, a fantasia do real e a reiteração”.
O autor, ao abordar a interatividade, destaca a heterogeneidade do mundo infantil, dado ao fato de a criança estar em contato constante com diversas realidades e, como conseqüência, assimila novos valores que implicam na formação de sua identidade pessoal e social. Todas as relações e experiências estabelecidas no meio familiar, educativo, com seus pares, isto é nos “espaços de partilha comum”, oportunizam-lhe desenvolver processos interativos que resultam em novas aprendizagens.
Ao conviver com seus pares, a criança apropria-se, reinventa e reproduz o mundo que a rodeia. Estas experiências permitem-lhe, inclusive, lidar e superar situações cotidianas negativas. “Essa partilha de tempos, acções, representações e emoções é necessária para mais um perfeito entendimento do mundo e faz parte do processo de crescimento”. Para enfatizar esse eixo, recupero a citação abaixo;

No âmbito das culturas de pares, as crianças realizam todo um conjunto de acções, designadamente: a associação da palavra ‘amigo’ aos companheiros com quem passam a realizar actividades partilhadas observáveis (brincar), a defesa para continuar partilhando, dos espaços e brincadeiras (espaço interactivo) em relação às crianças exteriores ao seu grupo de amigos; a partilha de rituais, sobretudo baseados em lendas e mitos culturais, a criação de estratégias para evitar fazer o que não querem; a elaboração de ajustes secundários para contornar as regras dos adultos – estes ajustes são respostas inovadoras e colectivas, por vezes mais elaboradas que as próprias regras, que criam nas crianças a sensação de ‘grupo’, o uso de valores comunitários e o investimento na perseguição de objectivos pessoais (CORSARO; EDER, 1990; CORSARO, 1997 apud. SARMENTO, 2004, p. 24).

É, então, o que as crianças na convivência cotidiana com seus pares, cria e recria seu espaço de vida, lançando mão recursos, tanto lúdicos quanto sociais para conviverem com as situações muitas vezes impostas pelos adultos. É na convivência com o outro que ela se vê capaz de inventar e de criar regras que são próprias das crianças.
Outro eixo norteador e fundamental das ações infantis é a ludicidade. Para Sarmento, o brincar é uma ação humana que diz respeito tanto às crianças quanto aos adultos e trata-se de uma de suas ações sociais mais significativas. As crianças fazem de suas brincadeiras sua ação mais séria. Resgatar as brincadeiras infantis é imprescindível dado ao fato de que o mercado de produtos culturais para a infância vir tomando conta do espaço da cultura lúdica da criança, substituindo os brinquedos tradicionais por brinquedos industriais. Nas pesquisas que tratam das culturas infantis, não podemos perder de vista que:

Com efeito, a natureza interactiva do brincar das crianças constitui-se como um dos primeiros elementos fundamentais das culturas da infância. O brincar é condição da aprendizagem e, desde logo, da aprendizagem da sociabilidade. Não espanta, por isso, que o brinquedo acompanhe as crianças nas diversas fazes da construção das suas relações sociais. O brinquedo e o brincar são também um factor fundamental na recriação do mundo e na produção das fantasias infantis. (SARMENTO, 2004, p. 25)

A fantasia do real é também um eixo de referência ao se falar das culturas infantis. Não podemos perder de vista que a criança se utiliza do mundo de faz-de-conta para construir sua visão de mundo. Esse é um recurso importantíssimo para a projeção do seu imaginário, recriar em seus momentos de “interpretação dos acontecimentos e situações”. (Sarmento, 2004)
O autor, ainda, destaca que:
Nas culturas infantis, todavia, este processo de imaginação do real é fundacional do modo de inteligilibilidade. Essa transposição imaginária de situações, pessoas, objectos ou acontecimentos, esta “não literalidade” (Goldman e Emminson, 1987), está na base da constituição da especificidade dos mundos da criança e é elemento central da capacidade de resistência que as crianças possuem face às situações mais dolorosas ou ignominiosas da existência. [...] É por isso que fazer de conta é processual, permite continuar o jogo da vida em condições aceitáveis para a criança (SARMENTO, 2004, p. 25-26).

A reiteração é o quarto eixo estruturador das culturas infantis. Esse eixo sustenta-se no tempo recursivo da criança, um tempo sem medidas, que nos permite compreender determinadas atitudes das crianças, visto que para elas aquilo que lhes é significativo e que tem importância pode ser sempre reiniciado, revisto e repetido. “Um tempo continuado onde é possível encontrar o nexo entre o passado da brincadeira que se repete e o futuro da descoberta que se incorpora de novo” (SARMENTO, 2004, p. 28). Recorremos a citação de Benjamim para expressar o sentido da reiteração na vida da criança e para que compreendamos seu papel característico nas culturas infantis.

Tudo seria perfeito se o homem pudesse fazer as coisas duas vezes, é de acordo com esse pequeno ditado de Goethe que a criança age. Só que a criança não quer apenas duas vezes. Isto não é apenas o caminho para se dominar experiências primárias terríveis, através do embotamento, do exorcismo maligno e da paródia, mas também o caminho para se experimentarem, cada vez mais intensamente, triunfos e vitórias. O adulto, com o coração liberto do medo, goza de uma felicidade redobrada quando narra uma experiência. A criança recria toda a situação, começa tudo de novo (BENJAMIN, 1992 apud SARMENTO, 2004, p. 28).

Esses quatro eixos elencados servem como referência para a análise dos processos culturais vividos pelas crianças. Ao apropriarmos deles, em processos de reflexão, começamos a perguntar se esses elementos estariam presentes nas culturas infantis. As crianças, em seu cotidiano, vivenciam experiências diversas, são capazes de criar circunstâncias práticas que lhes permitem explorar o espaço vivido. Ao mesmo tempo em que o exploram vão transformando-o de acordo com seus interesses, objetos viram brinquedos em suas mãos e o imaginário é capaz de permitir que um novo contexto seja criado permitindo-lhes dar asas a imaginação.


REFERÊNCIAS
Em azul não estão citados no texto.

ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. RJ: LTC, 1981.
BARROS, M. Exercício de ser criança. Rio de Janeiro: Salamandra, 1999.
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas vol. I e II: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1993.
CANCLINI, N.G. Culturas híbridas. São Paulo: EDUSP, 1997.
CHAUÍ, Marilena. Cultuar ou cultivar. In: Cultura, socialismo e democracia. Teoria e Debate, n. 8, out./nov./dez., 1989.
CORSARO, William A. Entrada no campo, aceitação e natureza da participação nos estudos etnográficos com as crianças pequenas (1995). In: Sociologia da infância: pesquisas com crianças. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 91, mai./ago. 2005.
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KOHAN, W. O. Infância, entre educação e filosofia. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
LAJOLO, Marisa. Infância de papel e tinta. In: FREITAS, Marcos César. História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez/ USF; IFAN, 1997.
LARROSA, Jorge. Dar a palavra. Notas para uma dialógica da transmissão In: LARROSA, Jorge; SKLIAR, Carlos. Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
MELLO, Luiz Gonzaga. Antropologia cultural. São Paulo: Vozes, 1997.
MOLLO-BOUVIER, Suzanne. Transformação dos modos de socialização das crianças: uma abordagem sociológica, 1994. In: Sociologia da Infância: pesquisas com crianças. Revista Educação Sociedade, Campinas, v. 26, n. 91, mai./ago., 2005.
SARMENTO, M. J. As culturas da infância nas encruzilhadas da segunda modernidade. In: SARMENTO, M.J.; CERISARA, A.B. Crianças e miúdos: perspectivas sociopedagógicas da infância e educação. Porto/PT: Asa Editores, 2004.
SARMENTO, M.J. Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. In: Dossiê sociologia da infância: pesquisas com crianças. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n.91, mai./ago., 2005.
SARMENTO, M.; PINTO, M. As crianças e a infância: definindo conceitos, delimitando o campo. In PINTO, M.; SARMENTO, Manuel Jacinto; PINTO, Manuel (Coord.). As crianças: contextos e identidades. Centro de Estudos da Criança, Universidade do Minho, Braga, Portugal, 1997.
[1] Profª. Msc. Arilma Mª. A. Spindola. Coordenadora Pedagógica da OMEP/BR/MS; Presidente do Fórum Permanente de Educação de Mato Grosso do Sul - FORPEMS; Professora das disciplinas: Fundamentos e Metodologia da Arte - UNIDERP/ ANHAGUERA.
[2] Profª. Drª. Ordália Alves Almeida. Professora do Departamento de Educação/CCHS/UFMS; Pós-Doutoranda no Instituto de Estudos da Criança - UMINHO - Braga/Portugal; Consultora da OMEP/BR/MS.
[3] A menor unidade social ligada por laços de consangüinidade, de afinidade e de adopção. Cf. MELLO, Luiz Gonzaga - Antropologia Cultural, p. 327. Dois adultos vivendo juntos num mesmo agregado com os seus filhos próprios ou adaptados. Cf. GUIDDENS, Anthony - Sociologia, p. 177.